Por Michele Muller – Jornalista especializada em Neurociência e Neuropsicologia
Não existe nenhuma comprovação de que a que depressão, TDAH e outros distúrbios mentais sejam causados por baixa produção de certos neurotransmissores. Até quando esse mito será sustentado pela mídia e até por profissionais da saúde mental?
Muito pais mostram, inicialmente, grande resistência em medicar seu filho diagnosticado com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Até serem informados que os estimulantes corrigem um problema que seria causado por um desequilíbrio químico no cérebro da criança. A teoria da baixa produção de dopamina, divulgada pelos laboratórios, foi recebida com entusiasmo por médicos, psicólogos e professores quando surgiram os medicamentos que provocam aumento nos níveis desse neurotransmissor. Afinal, agora poderiam corrigir, de forma prática e rápida, o “problema” da falta de uma substância no cérebro das crianças desatentas e inquietas.
Essa é a ideia que continua imperando nas diversas áreas ligadas à saúde mental infantil e à educação. Ao conversar com pais de crianças diagnosticadas com TDAH, muitos ainda comparam a necessidade de estimulantes à de reposição da insulina em diabéticos. O fato é que não existe nenhuma comprovação das raízes biológicas do transtorno. O que existem são especulações que se contradizem. E mesmo que se chegue em um consenso, a pouca produção de determinados neurotransmissores já pode ser descartada das possibilidades, pois há anos é repetidamente derrubada por inúmeras pesquisas.
Talvez por ser assimilada tão facilmente pela população, talvez por acender a esperança de uma cura rápida e simples, o desequilíbrio químico tornou-se a explicação mais aceita não apenas para o TDAH, mas para quase todo o tipo de transtorno mental – sendo a depressão e a esquizofrenia os dois grandes pilares que sustentam essa hipótese.
Convenientemente divulgada pelos laboratórios ainda antes do lançamento das marcas famosas de fluoxetina e principal argumento de muitas campanhas publicitárias nos países em que a propaganda de psicotrópicos pode ser feita diretamente ao consumidor, a teoria ainda está longe de ser enterrada. Na tentativa de derrubar o mito, o diretor do Instituto de Saúde Mental americano (National Institute of Mental Health – NIMH), Thomas Insel, já declarou que “as noções iniciais de que transtornos mentais são desequilíbrios químicos estão começando a ficar antiquadas”. Isso foi em 2011. Muitos anos antes – em 2003 – o psiquiatra e pesquisador de Standford, David Burns, já havia revelado que mesmo tendo dedicado anos de sua carreira à pesquisa do metabolismo da serotonina no cérebro, ele nunca havia se deparado com “nenhuma evidência convincente de que algum transtorno psiquiátrico, incluindo depressão, seja ocasionado por uma deficiência de serotonina no cérebro”. Quanto tempo vai levar para que os profissionais da saúde mental no Brasil abandonem esse argumento?
A popularização dessa hipótese colabora com o uso indiscriminado e irresponsável de psicotrópicos. Pode estar entre os fatores que explicam o aumento expressivo do uso de antidepressivos na última década em todo o mundo. De acordo com o National Health and Nutrition Examination Survey (2008), atualmente 23% das mulheres americanas tomam esses medicamentos – um índice que reflete a realidade ocidental, em geral. A certeza de que “produzem pouca serotonina” leva muitas pessoas a acreditar na cura milagrosa das drogas até no caso de depressão leve e moderada – em que esses medicamentos têm resultados comprovadamente iguais aos de placebos.
Autor de diversos livros sobre medicação psiquiátrica e consultor do Instituto Nacional de Saúde Mental, o psiquiatra Peter Breggin destaca que são as drogas que causam o desequilíbrio químico – e não o contrário. E o resultado desse desequilíbrio está evidente nas diversas reações de abstinência que sofrem os pacientes ao largar as medicações psiquiátricas.
No caso dos antidepressivos mais comuns, por exemplo – os ISRS (inibidores seletivos de recaptação de serotonina) – o neurotransmissor, liberado pela célula pré-sináptica, tem seu canal de receptação bloqueado. Assim, ao invés de concluir seu ciclo natural e retornar ao neurônio pré-sináptico, ele é acumulado entre as sinapses. No entanto, os neurônios têm receptores que monitoram o nível de serotonina na sinapse e como o cérebro é plástico, ele naturalmente vai regular a produção do neurotransmissor. Portanto, os antidepressivos causam – e não ajustam – o desequilíbrio químico. Evidências apontam que sua ação sobre a via serotoninérgica provoca o nascimento de novas células nervosas no hipocampo – região afetada nos casos depressão profunda. Isso explicaria o tempo, de cerca de três semanas, que os antidepressivos levam para começar a agir nesses casos.
O metilfenidado – estimulante usado para “corrigir” o TDAH -têm ação quase imediata sobre alguns dos sintomas comuns de crianças hiperativas. Assim como a cocaína, faz com que a dopamina se acumule nas sinapses por muito tempo, levando as células pré-sinápticas a liberar quantidades cada vez menores do neurotransmissor. Com o tempo, o cérebro ajusta a produção de neurotransmissores e a criança desenvolve tolerância à medicação, precisando de doses maiores. O desequilíbrio então realmente se estabelece, o que leva os médicos a receitar outras drogas para compensá-lo.
Para se certificar se tudo isso compensa em longo prazo, uma equipe de 18 pesquisadores, com apoio do Instituto de Saúde Mental americano (NIMH), investigou o desempenho de 579 crianças diagnosticadas com TDAH no período de oito anos. Maior pesquisa já realizada com essa finalidade, o “Estudo Multimodal de Tratamento para TDAH”, publicado em 2009, concluiu que depois de um ano e meio, mesmo com o aumento contínuo de dose, as crianças medicadas não apresentaram melhor desempenho em nenhum aspecto com relação às que não receberam medicação. Depois de um tempo, portanto, restam apenas os efeitos colaterais do desequilíbrio provocado pela droga.
“A verdade é que ninguém sabe qual deveria ser a quantidade ‘correta’ de diferentes neurotransmissores. O nível dessas substâncias é apenas um fator em um complexo ciclo de influências que interagem, como vulnerabilidade genética, stress, hábitos no pensamento e circunstâncias sociais”, escreve Christian Jarrett em Great Myths of The Brain (Os Grande Mitos do Cérebro).
A ponte do equilíbrio transformou-se numa corda bamba num mundo de tantos excessos. Buscá-lo passou a ser um desafio que coloca em jogo a saúde física e mental. A ação prática das pílulas pode ser tentadora – e até necessária em alguns casos – mas ela acabou se tornando mais um perigoso excesso da sociedade, mais um ponto de desequilíbrio, disfarçado de solução.
Publicado no Huffpost Brasil
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